quarta-feira, 8 de junho de 2011

Onde andam os Beneditos?













Há bastante tempo não tinha contato com a tradição gaúcha e os Rodeios Crioulos. Porém, no último fim de semana, dias 4 e 5 de junho, estive em Toledo-Pr, onde ocorreu um evento desta natureza. Asseguro que foi uma interessante retomada do contato com as minhas raízes gaúchas.
Confesso que não sou adepta da modalidade do Tiro de Laço, acho completamente desnecessário e cruel este tipo de culto. Mas, já a invernada artística, onde se cultivam poesias, músicas e danças é algo muito agradável. E assistir a declamação da poesia “Os olhos do Negrinho” de Dimas Costa, na maravilhosa interpretação de José Ernesto Tavares foi um momento muito especial.












OS OLHOS DO NEGRINHO
Dimas Costa

Em tempos que já vão longe -por culpa do Grã-senhor-
O mundo era um carneador,-assim na comparação
Coberto do sangue rubro, vertido do corpo vivo
Do negro, pobre cativo, nas garras da escravidão!

Vinham barcos de além-mar, galopeando pelas águas,
Trazendo dores e mágoas num bojo infecto e imundo!
E despejavam nos campos dos potreiros do Brasil
Que se fez, também covil do maior crime do mundo!

Nosso Pampa, por desgraça,foi cúmplice desse crime!
Hoje, no entanto, redime a culpa dessa maldade!
Pois se abriram para as raças, todas as porteiras do pago
E diz que cultiva, com afago, a mais pura liberdade!

Mas foi nesse triste tempo, que nasceu o Benedito.
Um pobre escravo, negrito, que morreu ainda na infância.
Nasceu não... surgiu no mundo, como um traste sem valor,
E por ordem do “Senhor”, foi crescendo e ficou sendo o mandalete da estância.

O pobre Benedito, era pau prá toda obra!
Mais ruim que carne de cobra, para ele era o Senhor,
-Benedito, busca água,
-Bendito, espanta o gado,
-Benedito, desgraçado, negro ordinário, estupor
E logo o relho cantava, e o Benedito gemia,
Apanhava e não sabia, porque razão o coitado.
Ficava ali tremendo, fitando o senhor, sestroso,
Meio gemendo, choroso, os olhos grandes parados.

-Benedito!, fecha os olhos!, não me olhes deste jeito.
-Toma negro, tem respeito. Não olha assim para mim.
E o relho vinha de novo, lanhar o corpo flaquito,
-Fecha os olhos Benedito, não me olhes, negro, assim.

E o negrinho se afastava, com olhar escancarado,
Pois nem o medo danado, daquele homem feroz,
Fazia o negro desviar, aquele mirar profundo,
Que penetrava no fundo, da alma do seu algoz.

-Benedito!, fecha os olhos!, não me olhes deste jeito.
O rancor e o despeito, deixava o senhor aflito,
Pois no fundo deste olhar, havia um triste segredo,
E o senhor já tinha medo, dos olhos do Benedito.

A noite quando o negrinho, depois que a lida findava,
Corpo moído, se deitava, no chão duro da senzala,
A lua vinha de manso, furar a palha do teto,
E o negro com muito afeto, ficava rindo a fitá-la.

E abria mais os olhos, para beber o luar,
Que nunca ouviu reclamar por ele mirar assim.
E feliz, naquele instante, o negrinho, tão pequeno,
Fechava os olhos , sereno, e adormecia, por fim.

-Benedito, fecha os olhos! Desvia, negro esse olhar!
Pois hoje tu vais fechar, para sempre, desgraçado!
E o monstro humano bateu no negrinho sem cessar,
Até o pobre tombar, aos seus pés, ensanguentado!

-Fecha os olhos, Benedito! E o corpo, já encangue
Arrancava carne e sangue, sempre a bater, o maldito!
Mas o olhar do negrinho mais e mais se escancarava
E louco, o “senhor” gritava
-Fecha os olhos, Benedito!

Até que um negro silêncio susteve o braço assassino.
Pois a alma do menino, escravo da negra sorte,
Fugiu por fim já cansada de tanto o corpo apanhar,
E feliz, foi se entregar aos braços livres da morte!

E o olhar do Benedito nem assim não se fechou
Morto, embora, ali ficou mais e mais escancarado!
E o “senhor” ao ver aquilo, perdeu a luz da consciência
E arrojou na demência, a gritar desesperado:

-Benedito, fecha os olhos! Negro ordinário, maldito!
-Benedito, fecha os olhos!
-Fecha os olhos, Benedito!

E o olhar do Benedito ficou grudado no céu.
Uma noite, por entre o véu da grandeza do infinito,
um par de estrelas surgiu a brilhar fitando o mundo.
Tinha um mirar tão profundo como os olhos do negrito.
E hoje que ainda existe na consciência universal
a eterna nódoa do mal daquele crime maldito,
quanto homem ainda há, que ao ver o par de estrelas brilhar,
não tem ganas de gritar:
– Fecha os olhos, Benedito!

Como a própria poesia revela, as porteiras do pago foram abertas às diversas etnias, para se "redimir" da maldade, mas..., que curioso!?!.., todos de olhos claros!?!?...
Onde estarão os negros olhos?

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