Neste dia 06 de junho, sábado, após uma reunião do conselho
regional da APP Sindicato de Campo Mourão, fomos, eu e outros, vários, companheiros de luta,
festejar e mirar uma outra luta.
São dez anos de uma batalha vencida;
Batalha de uma luta que nos inspira;
De uma luta que nos
alimenta.
- A luta e o trabalho lindo que realizam os nossos companheiros do MST
de Peabiru.
Conheci um lugar que aguça os sentidos;
com cheiro bom,
com gente linda,
com terra de uma aspereza incrivelmente macia,
com bicho livre,
com alimento saudável.
Bicho que vem da
mata
e bicho que circunda a casa,
Bicho fazendo a função de bicho,
Bicho cumprindo a sua natureza:
ciscar, cacarejar, botar ovos onde bem lhes convier,...
fuçar, tomar banho de lama,...
pastar uma grama fresquinha e cheirosa ...
As pessoas.
Ah!!!!...
As pessoas deste lugar.
As pessoas que
pisam e cultivam aqueles chãos.
Gente com
um jeito calmo da sabedoria,
Gente com um jeito de gente
Gente cuja luta se entranhou na vida;
Gente quesabe sempre, como ninguém, o momento certo de
tudo e para tudo.
A Martina...
Disseram
que eu tenho a feição dela.
Ah!.... quem me
dera estar na sola de seus chinelos.
Quando cheguei à praça 19 de dezembro, em Curitiba, no
dia 27 de abril, com o objetivo de acompanhar
de perto a tramitação do projeto da previdência enviado pelo governo à
Assembleia Legislativa, eu viajara toda a noite em um ônibus fretado pelos
professores da UNESPAR de Campo Mourão. Estava armada
até os dentes: barraca, lona, capa de chuva, galochas, cordas, lanternas,
entre outro equipamentos de camping. Pisava firme no cimento da praça; certeza absoluta de estar completamente preparada para
o porvir.
Com todo aquele arsenal dependurado no corpo, obviamente,
chamei a atenção da imprensa que estava ali a caça de notícias e curiosidades.
Dei uma entrevista onde apresentei todo o meu aparato para a resistência.
Armei, junto com os outros quatro colegas de Campo Mourão, a minha barraca
no lugar mais estratégico, onde o sol da tarde pudesse ser amenizado pela
sombra do painel de azulejos da praça, e segui na passeata até a ALEP para
acompanhar a primeira reunião que trataria do projeto da previdência. A reunião foi rápida, mas registramos com muita força toda a nossa indignação com as ações govenamentais.
O
caminhão de som que conduzia a marcha permaneceu estacionado na Av. Cândido de Abreu, em frente à Praça Nossa Senhora da Salete, para a concentração do dia
seguinte.A policia militar e a tropa de choque cercava completamente
a quadra da Assembleia Legislativa e as ruas próximas, armados até os dentes,
porém diferente de nós: com armas de verdade e cães ferozes.
Eu e meus companheiros percebemos que as pessoas a pé não
estavam sendo impedidas, neste momento, de circular pela praça e ruas próximas da Assembleia Legislativa. Então, descemos até a praça 19 de dezembro, desarmamos nosso acampamento
e subimos até a praça Nossa Senhora da Salete com todo o equipamento nas costa,
reinstalamos nossas barracas estrategicamente ente duas árvores, para evitar
alguma surpresa climática.
A esta altura já escurecia. Completamente cansada, dormi assim que pude.
Por volta das 2 da madrugada do dia 28 fomos surpreendidos pelos os gritos
dos colegas pedindo para que acordassemos porque a polícia estava roubando os nossos equipamentos de som. Corri junto
com os demais companheiros, o mais rápido que pude para o local onde estavam
estacionados os caminhões de som na tentativa de impedir que os retirassem.
Começou a jorrar gás, spray e bombasdificultando a nossa aproximação dos caminhões. Muitos companheiros
começaram a passar mal e desmaiar. O esquadrão policial avançava com grades,
nos empurrando em direção as barraca, dizendo que iam retirar dali todas os
nossos equipamentos. A muralha de policiais parou de avançar a poucos metros de
nossas barracas, na hora não entendi muito bem porque, depois ouvi comentários
que este recuo se deu por que naquele momento havia chegado a imprensa e o
Deputado Professor Lemos, não sei ao certo.
As coisas se acalmaram e o cerco policial permaneceu ali,
mais avançado, não permitindo a nossa circulação naquela altura da av. Cândido de Abreu, restringindo apenas ao
gramado da praça.
Nossos caminhões foram rebocados dali.
A noite estava muito fria, como até esta altura eu estava de
pijama, resolvi então terminar a noite vestida com roupa que me permitisse sair
da barraca mais agasalhada, caso houvesse uma nova investida.Nada mais ocorreu no restante da noite.
Na manhã do dia 28 empreendemos uma tentativa de trazer
nosso caminhão de som novamente para a avenida em frente a ALEP. Fomos barrados
violentamente pela policia militar e a tropa de choque, que lançavam sobre nós
bombas, gás e spray.Após muita negociação do comando de greve com o comando da polícia militar, conseguimos a
permissão para que o caminhão de som seguisse para a avenida em frente a praça,
porem este avançou apenas poucos metros quando um policial invadiu a cabine do
caminhão, desligou o motor e furtou a chave de ignição. O caminhão ali
permaneceu sem condições de avançar para o seu destino.
Passamos a noite de 28 para 29 sob uma tensão imensa, com alarmes do nosso grupo designado para a vigilância soando amiúde, diante de qualquer suspeita ou movimentação dos policiais.
Os cães ladravam na madrugada, talvez com o intuito de nos amedrontar, ou por qualquer outro motivo.
Dia 29 descemos, logo cedo, em direção a praça 19 de dezembro, para
receber as delegações que viriam de ônibus do interior do estado. Seguimos juntos, em marcha até a ALEP, para novamente acompanhar a reunião final de
discussão, aprovação ou reprovação do projeto da previdência.
Não conseguimos avançar além das cercas
móveis e das barreiras de policiais que impediam a circulação na Avenida Cândido de Abreu.
Um helicóptero voava rasante e pairava sob nossas cabeças,
fazendo com que tudo se agitasse em redemoinho a nossa volta, pelo vento forte
de suas hélices.
Ali aguardamos ansiosos até o inicio da reunião que definiria
o assalto ou não ao fundo previdenciário que fora acumulado pelos servidores ao
longo de 11 anos.
Quando os rumos da sessão da ALEP apontava para uma decisão
contrária aos interesses dos servidores, os gritos e protestos se intensificaram
e a barreira policial avançou sobre os manifestantes empurrando as grades móveis no sentido de
afastar a multidão que protestava. Isso causou um tumulto imenso, começaram a
pipocar bombas, tiros e gás. Nesta confusão, minha mão ficou presa entre as
grades que os policiais empurravam com violência sobre os manifestantes, ali
permaneci por longos instantes até conseguir me desvencilhar, já com a ponta do
dedo médio quase arrancada da mão, presa
por um pedaço de pele apenas.
As bombas explodiam de todos os lados, de cima dos prédios e
do helicóptero que alguns momentos antes havia nos atacado com a ventania de
suas hélices. Corri em desatino, chutei bombas a esmo, estava completamente apavorada,
imaginava que havia perdido parte da
mão, o sangue jorrava copiosamente quando uma colega me entregou um lenço
para proteger o ferimento. Vi a ambulância estacionada em meio a toda aquela
fumaça e explosões. A custo, temendo as bombas e os tiros cheguei até o veículo
que já atendia outras pessoas feridas. A ambulância não conseguiu sair porque
havia um ônibus da polícia militar estacionado no cruzamento das avenidas. A atendente orientou que eu corresse até a prefeitura em busca de auxilio. Lá chegando, a guarda municipal me
encaminhou para o hospital Cajuru onde tive o atendimento necessário.
Já no hospital as noticias chegavam dizendo que o massacre
continuava, as pessoas feridas não paravam de chegar. Por fim, alguém trouxe a
notícia que o projeto fora aprovado.
Tristeza, desanimo, desalento, impotência,
humilhação, fraqueza; acho que este misto de sensações
era um pouco do que eu sentia no início daquela noite.
Pernoitei na casa do trabalhador em educação. Todo
meu corpo doía imensamente, uma dor mais forte do que a mão ferida; um frio cortante subia pelas minhas pernas e
não havia cobertor que pudesse aquecê-las, demorei muito para pegar no sono
porque a imagem da minha mão sendo esmagada vinha sempre que fechava os
olhos. Não conseguia nem chorar, estava paralisada.
O abandono é suportar esperas
infinitamente distantes.
Aguça a audição,
intercepta o ruído seco do sapato roto,
roçando o caminho poeirento.
Espichando o olhar,
deseja adivinhar
que a distância se estreita,
e vai apontar na curva que se esconde atrás do arbusto robusto.
Foto: Mundo Mudo - Cia Azul Celeste
domingo, 29 de março de 2015
SER HUMANO COM VAGINA É GENTE
Quando eu era uma menina eu queria ser menino; olhava o arco-íris
e me deitava a investigar onde seria mais fácil cruzar as sete fitas coloridas,
que escondiam o princípio e o fim naquela linha levemente ondulada do horizonte.
Eu brotei do ventre de uma geografia suave ao olhar, mas
sensivelmente áspera pelas invernias que
sapecavam a minha pele. Porém o pealo mais forte veio do privilegio que tinham
naquelas paragens os humanos que nasciam com um pênis, e sendo eu de uma espécie com vagina, desde muito
cedo encareia frieza de determinadas restrições,
como o fato de não poder brincar com outros meninos, além dos meus dois irmãos.
Sendo eu uma das raras viventes-menina-criança naquele universo, este veto dificultava
em muito a minha vida-brincante; as
peleias eram tensas.
Passei embaixo do arco-íris e me tornei menino nas ações,
obtendo o reconhecimento daquele mundo hostil em muitos quesitos, isto me
ajudou imensamente, e ainda ajuda.
Penso que daí brotou também a minha rebeldia, e aquela
milonga reflexiva e lenta, daquela linha monótona, que deu início ás minhas falas e ações, tomou outro
ritmo quando me tornei um ser urbanoe
me deparei com estas mesmas dificuldades, passividades e rebeldias em ritmo
mais acelerado.