sábado, 9 de maio de 2015

27, 28 e 29 de Abril de 2015 – dias de muita violência na praça Nossa Senhora da Salete em Curitiba

Quando cheguei à praça 19 de dezembro, em Curitiba, no dia 27 de abril, com o objetivo de acompanhar de perto a tramitação do projeto da previdência enviado pelo governo à Assembleia Legislativa, eu viajara toda a noite em um ônibus fretado pelos professores da UNESPAR de Campo Mourão. Estava armada até os dentes:  barraca, lona, capa de chuva, galochas, cordas, lanternas, entre outro equipamentos de camping. Pisava firme no cimento da praça; certeza absoluta de estar completamente preparada para o porvir.
Com todo aquele arsenal dependurado no corpo, obviamente, chamei a atenção da imprensa que estava ali a caça de notícias e curiosidades. Dei uma entrevista onde apresentei todo o meu aparato para a resistência.
Armei, junto com os outros quatro colegas de Campo Mourão, a minha barraca no lugar mais estratégico, onde o sol da tarde pudesse ser amenizado pela sombra do painel de azulejos da praça, e segui na passeata até a ALEP para acompanhar a primeira reunião que trataria do projeto da previdência. A reunião foi rápida, mas registramos com muita força toda a nossa indignação com as ações govenamentais.
O caminhão de som que conduzia a marcha permaneceu estacionado na Av. Cândido de Abreu, em frente à Praça Nossa Senhora da Salete, para a concentração do dia seguinte.A policia militar e a tropa de choque cercava completamente a quadra da Assembleia Legislativa e as ruas próximas, armados até os dentes, porém diferente de nós: com armas de verdade e cães ferozes.
Eu e meus companheiros percebemos que as pessoas a pé não estavam sendo impedidas, neste momento, de circular pela praça e ruas próximas da Assembleia Legislativa. Então, descemos até a praça 19 de dezembro, desarmamos nosso acampamento e subimos até a praça Nossa Senhora da Salete com todo o equipamento nas costa, reinstalamos nossas barracas estrategicamente ente duas árvores, para evitar alguma surpresa climática.
A esta altura já escurecia. Completamente cansada, dormi assim que pude.
Por volta das 2 da madrugada do dia 28 fomos surpreendidos pelos os gritos dos colegas pedindo para que acordassemos porque a polícia estava roubando os nossos equipamentos de som. Corri junto com os demais companheiros, o mais rápido que pude para o local onde estavam estacionados os caminhões de som na tentativa de impedir que os retirassem. Começou a jorrar gás, spray e bombas  dificultando a nossa aproximação dos caminhões. Muitos companheiros começaram a passar mal e desmaiar. O esquadrão policial avançava com grades, nos empurrando em direção as barraca, dizendo que iam retirar dali todas os nossos equipamentos. A muralha de policiais parou de avançar a poucos metros de nossas barracas, na hora não entendi muito bem porque, depois ouvi comentários que este recuo se deu por que naquele momento havia chegado a imprensa e o Deputado Professor Lemos, não sei ao certo.
As coisas se acalmaram e o cerco policial permaneceu ali, mais avançado, não permitindo a nossa circulação naquela altura da av. Cândido de Abreu, restringindo apenas ao gramado da praça.
Nossos caminhões foram rebocados dali.
A noite estava muito fria, como até esta altura eu estava de pijama, resolvi então terminar a noite vestida com roupa que me permitisse sair da barraca mais agasalhada, caso houvesse uma nova investida.  Nada mais ocorreu no restante da noite.

Na manhã do dia 28 empreendemos uma tentativa de trazer nosso caminhão de som novamente para a avenida em frente a ALEP. Fomos barrados violentamente pela policia militar e a tropa de choque, que lançavam sobre nós bombas, gás e spray.  Após muita negociação do comando de greve com o comando da polícia militar, conseguimos a permissão para que o caminhão de som seguisse para a avenida em frente a praça, porem este avançou apenas poucos metros quando um policial invadiu a cabine do caminhão, desligou o motor e furtou a chave de ignição. O caminhão ali permaneceu sem condições de avançar para o seu destino.
Passamos a noite de 28 para 29 sob uma tensão imensa, com alarmes do nosso grupo designado para a vigilância soando amiúde, diante de  qualquer suspeita ou movimentação dos policiais.
Os cães ladravam na madrugada, talvez com o intuito de nos amedrontar, ou por qualquer outro motivo.
Dia 29 descemos, logo cedo, em direção a praça 19 de dezembro, para receber as delegações que viriam de ônibus do interior do estado. Seguimos juntos,  em marcha até a ALEP, para  novamente acompanhar a reunião final de discussão, aprovação ou reprovação do projeto da previdência.
Não conseguimos avançar além das cercas móveis e das barreiras de policiais que impediam a circulação na Avenida Cândido de Abreu. 
Um helicóptero voava  rasante e pairava sob nossas cabeças, fazendo com que tudo se agitasse em redemoinho a nossa volta, pelo vento forte de suas hélices. 
Ali aguardamos ansiosos até o inicio da reunião que definiria o assalto ou não ao fundo previdenciário que fora acumulado pelos servidores ao longo de 11 anos.
Quando os rumos da sessão da ALEP apontava para uma decisão contrária aos interesses dos servidores, os gritos e protestos se intensificaram e a barreira policial avançou sobre os manifestantes  empurrando as grades móveis no sentido de afastar a multidão que protestava. Isso causou um tumulto imenso, começaram a pipocar bombas, tiros e gás. Nesta confusão, minha mão ficou presa entre as grades que os policiais empurravam com violência sobre os manifestantes, ali permaneci por longos instantes até conseguir me desvencilhar, já com a ponta do dedo médio quase arrancada da mão,  presa por um pedaço de pele apenas.
As bombas explodiam de todos os lados, de cima dos prédios e do helicóptero que alguns momentos antes havia nos atacado com a ventania de suas hélices. Corri em desatino, chutei bombas a esmo, estava completamente apavorada, imaginava  que havia perdido parte da mão, o sangue jorrava copiosamente quando uma colega me entregou um lenço para proteger o ferimento. Vi a ambulância estacionada em meio a toda aquela fumaça e explosões. A custo, temendo as bombas e os tiros cheguei até o veículo que já atendia outras pessoas feridas. A ambulância não conseguiu sair porque havia um ônibus da polícia militar estacionado no cruzamento das avenidas.  A atendente orientou  que eu corresse até a prefeitura  em busca de auxilio. Lá chegando, a guarda municipal me encaminhou para o hospital Cajuru onde tive o atendimento necessário.
Já no hospital as noticias chegavam dizendo que o massacre continuava, as pessoas feridas não paravam de chegar. Por fim, alguém trouxe a notícia que o projeto fora aprovado. 
Tristeza, desanimo, desalento, impotência, humilhação, fraqueza;  acho que este misto de sensações era um pouco do que eu sentia no início daquela noite.
Pernoitei na casa do trabalhador em educação. Todo meu corpo doía imensamente, uma dor mais forte do que a mão ferida;  um frio cortante subia pelas minhas pernas e não havia cobertor que pudesse aquecê-las, demorei muito para pegar no sono porque a imagem da minha mão sendo esmagada vinha sempre que fechava os olhos. Não conseguia nem chorar, estava paralisada.

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